5.4.06

um olhar de cá de dentro

A entrada é seduzida pela luz que há cá dentro.
Com os pés cá dentro ficamos tentados a despir o corpo.
Existirmos simplesmente através da alma.
Complexidade humanizada.
Queremos tocar nos outros.
Momentos em que eu te encontro e tu me encontras.
Simplesmente. Só. Isto. Tem. Sentido.
Com os pés cá dentro, olhamos a areia que não bebeu somente uma pegada, mas um mundo de caminhos encruzilhados que passaram e que fazem parte de quem lá passa agora. Agora.
Há alguém a passar.
Simplesmente és...
Um de fora, porque o outro está desatento. O desencontro repete-se.
Fica guardado o tempo em que nos olhámos e que nos vimos transparentes.
Não há água que apague. Não há vento que altere. Tudo é luz incolor e tu sabes.
E eu sei.
Vives em mim... brilha o nosso espelho... simplesmente vives.
Encontro-te e tu vês-me. Estamos a passar. Agora.
Fazes parte da minha história, da minha subtil pegada.
O sentido de vir de fora para estar cá dentro a sós. Entre nós. Contigo.

margarida

o sorriso...

O sorriso
"Creio que foi o sorriso,
sorriso foi quem abriu a porta.
Era um sorriso com muita luz
lá dentro, apetecia
entrar nele, tirar a roupa, ficar
nu dentro daquele sorriso.
Correr, navegar, morrer naquele sorriso."
Eugénio de Andrade

Se por um instante...

"Se por um instante Deus se esquecesse de que sou uma marioneta de trapo e me oferecesse mais um pouco de vida, não diria tudo o que penso, mas pensaria tudo o que digo. Daria valor às coisas, não pelo que valem, mas pelo que significam. Dormiria pouco, sonharia mais, entendo que por cada minuto que fechamos os olhos, perdemos sessenta segundos de luz. Andaria quando os outros param, acordaria quando os outros dormem.Ouviria quando os outros falam, e como desfrutaria de um bom gelado de chocolate! Se Deus me oferecesse um pouco de vida, vestir-me-ia de forma simples, deixando a descoberto, não apenas o meu corpo, mas também a minha alma.
Meu Deus, se eu tivesse um coração, escreveria o meu ódio sobre o gelo e esperava que nascesse o sol. Pintaria com um sonho de Van Gogh sobre as estrelas de um poema de Benedetti, e uma canção de Serrat seria a serenata que ofereceria à lua. Regaria as rosas com as minhas lágrimas para sentir a dor dos seus espinhos e o beijo encarnado das suas pétalas...
Meu Deus, se eu tivesse um pouco de vida...
Não deixaria passar um só dia sem dizer às pessoas de quem gosto que gosto delas. Convenceria cada mulher ou homem que é o meu favorito e viveria apaixonado pelo amor. Aos homens provar-lhes-ia como estão equivocados ao pensar que deixam de se apaixonar quando envelhecem, sem saberem que envelhecem quando deixam de se apaixonar! A uma criança, dar-lhe-ia asas, mas teria que aprender a voar sozinha. Aos velhos, ensinar-lhes-ia que a morte não chega com a velhice, mas sim com o esquecimento.
Tantas coisas aprendi com vocês, os homens... Aprendi que todo o mundo quer viver em cima da montanha, sem saber que a verdadeira felicidade está na forma de subir a encosta. Aprendi que quando um recém-nascido aperta com a sua pequena mão, pela primeira vez, o dedo do seu pai, o tem agarrado para sempre. Aprendi que um homem só tem direito a olhar outro de cima para baixo quando vai ajudá-lo a levantar-se. São tantas as coisas que pude aprender com vocês, mas não me hão-de servir realmente de muito, porque quando me guardarem dentro dessa maleta, infelizmente estarei a morrer..."

GABRIEL GARCIA MARQUEZ

4.4.06

A caminho de mais uma primavera



Mais uma primavera...
O tempo não pára. E tu também não.
Não páras aqui ao meu lado. Não me procuras... encontramo-nos por acaso.
Puro acaso. Foste um acaso?
Sinto a tua falta.
Sinto a falta de acordar com os teus segredos ao meu ouvido.
Sinto a falta das tuas mãos a desenharem o desejo no meu corpo.
Será que foi imaginação minha?
Quero desenhar-te e tu já te foste embora... desespero...
Desejo-te e tu não estás... o que sinto está muito longe de ti.
É tão triste sentir que não tens lugar na vida de uma outra pessoa.
Não há tempo para dois.
As prioridades estão de pernas para o ar... Será que assim é que estão certas?
É triste desconfiar das promessas ouvidas.Desconfio de ti porque falhas e não dás por isso, mesmo depois das nossas longas conversas.
Mas agora já não conversamos, não desenhamos promessas, não existimos... não existe o "nós".
Mesmo que voltes... estou distante... já não quero querer-te...
Mais uma primavera e tu não voltas...

margarida

Vencidas por ti ...

Figura de parras: Se eu me transformasse em peixe-lua?
Figura de guizos: Eu transformava-me em faca!”
(O público. Federico Garcia Lorca)


Fomos público da nossa geração.
Que engano (!).
Pensar que os desencontros seriam generalizados...
Que ultraje.
Iludidas que homens e mulheres falam a mesma linguagem. Sempre a acreditar mais uma vez!! Sempre a presentear com mais um beijo de língua.
Fomos ingénuas na nossa peça.
Mesmo assim não deixamos de acreditar...
Somos sentimento, mesmo quando contrariamos.
“Deve existir pelo menos um...” (ou dois. Pelo menos se, passado um tempo, não chincarmos o primeiro...) que complete a lista interminável de requisitos.
Não há tempo para o compromisso, e mesmo que houvesse, não têm aparecido guizos à altura.
E se eu me transformasse em beijo de língua?

margarida